quinta-feira, 1 de janeiro de 2015

entrevista para LADO M

HQ’s Feministas – Crocomila (Didi Helene)

Continuando nossa saga pelas HQs feministas mais interessantes da internet, dessa vez conversamos com a Didi Helene, mais conhecida como Crocomila. Desenhando desde pequena e produzindo de forma independente em seu blog desde 2010, Didi procura priorizar sempre as personagens femininas em suas obras e não tem medo de retratá-las com pelos nas axilas, fugindo a estereótipos de gênero ou tendo condutas fora do que a sociedade patriarcal espera da mulher. Paulista por natureza, mas agora residente de terras cariocas, ela já teve parcerias bastante interessantes com outras cartunistas da esfera feminista e tem projetos em andamento para publicar obras físicas com seus trabalhos. Com um traço único e um senso de humor ótimo, entre os desenhos da Didi com certeza você vai encontrar ideias feministas muito relevantes ilustradas de uma forma tão elucidativa que, se ainda não foram parar na timeline de todos os seus amigos, deveriam. Então, com vocês, o espacinho que tive para descobrir um pouco mais sobre a Crocomila e os seus desenhos!

A entrevista com a Crocomila faz parte de um novo thread no Lado M em que buscamos conhecer um pouco mais sobre artistas feministas dos HQ’s virtuais. Para conferir outras entrevistas da série, você pode clicar aqui.



Conte-nos um pouco sobre você. Qual é o seu nome completo? Onde vive? Com o que trabalha? Biscoito ou bolacha?
Meu nome é Diana Helene Ramos, ou Didi, como eu gosto que me chamem. Eu moro no Rio, mas sou de São Paulo. Ou seja, por muito tempo eu comi bolacha, mas agora só como biscoito!
Eu sou arquiteta e dou aula de história na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Unigranrio. Estou na reta final do doutorado, que defendo no começo do ano que vem. Por causa dele, minha produção de quadrinhos tem sido bem escassa, sendo que eu até fiz até uma série sobre o tema.
Há quanto tempo você desenha? Quais são as suas principais inspirações?
Poxa, eu desenho e leio quadrinhos desde sempre. Antes de saber ler, vivia atrás de alguém pra me explicar o que estava escrito nos balõezinhos… então os quadrinhos sempre foram minha principal inspiração. Além disso, costumo observar as pessoas na cidade: sempre que estou andando pela rua, tenho mil ideias de quadrinhos, mas depois esqueço. Por isso, tomei o hábito de anotar quando tenho alguma ideia.
A Didi inclusive tem um quadrinho exclusivamente sobre a sua trajetória de inspirações e sua experiência com a produção de quadrinhos, que você pode conferir a seguir:

De onde surgiu o apelido “Crocomila”?
Era época do MIRC, IRC, aqueles bate papos online antigos, sabe? Eu ficava inventando uns codinomes pra entrar e esse foi um deles. Aí pegou, as pessoas gostaram, fez sucesso. Toda vez que eu tinha que criar um user em um site, como sempre tinha outra Diana e tal, eu colocava Crocomila, por que tinha certeza que não teria outra. Sempre que você ver alguma Crocomila na internet sou eu: Instagram, Twitter, Flog, Facebook, WordPress, Society6, etc. No fim, virou minha identidade digital.

Você teve alguma experiência com quadrinhos antes?
Eu sempre desenhei por prazer e também fazia alguns trabalhos de ilustrações para livros, impressos, cartazes, logos, etc. Eu lembro de ter feito uma história em quadrinhos na escola, quando eu tinha 10 anos, sobre o período medieval. Acho que foi a primeira de todas.
Depois, na faculdade, também fiz uns quadrinhos em trabalhos de desenho. Meu trabalho final de graduação, apesar de um projeto de arquitetura, foi diagramado em formato de quadrinhos e conforme mostrava o projeto (partido, planta, corte, etc) você ia lendo uma história em quadrinhos que tinha por trás.

Mas era tudo bem informal.
Quando eu viajava eu sempre fazia cadernos de desenhos. Tenho uma caixa cheia deles. Mas eram desenhos de paisagens, prédios e cenas que eu vi. Não tinham histórias. Foi aí eu comprei um livro do cartunista argentino Liniers que era os cadernos de viagem dele, todo em historias em quadrinhos. Adorei a ideia e comecei a fazer isso nos meus cadernos de viagem. Tenho alguns deles no meu blog, mas não ponho todos pois as vezes tem coisas muito pessoais.
Em 2007, eu também tinha feito uma historinha com uma amiga pra revista Sagu, do cartunista Brancalion.
Ai ficava nessa, uma coisa ali, ou aqui.
Foi aí que uns amigos meus fizeram um blog de quadrinhos e começaram a bombar na internet,  e eu tomei coragem pra fazer meu próprio blog em abril de 2010, o que me incentivou a produzir pelo menos duas vezes por semana um desenho novo. Nessa época, tinha muito pouca mina fazendo quadrinho e eu não conhecia nenhum quadrinho feminista… aí pensei, poxa, estamos precisando muito desse tipo de conteúdo  e  comecei a fazer… logo um monte de gente tava produzindo também e agora tá essa lindeza!!!
Você recebe algum tipo de crítica referente conteúdo que você posta? Quais?

Colocar seu trabalho na internet é isso…. cada coisa que eu escuto!! As pessoas sempre teêm um defeito pra achar no seu trabalho, é foda… fazer quadrinho que é bom e dá o maior trabalho ninguém quer, né? O que mais causa polêmica são meus quadrinhos sobre depilação, é sempre uma pedra no sapato!!! Teve muitas vezes que isso me desmotivou pra caramba… eu até parei de responder comentário, porque simplesmente não dá. Dos comentários mais idiotas, como uma vez que eu fiz duas meninas e um cara se beijando no carnaval e falaram “isso é machismo, é sempre duas mulheres e um cara, nunca dois caras e uma menina” e eu tinha feito duas mulheres porque eu sempre priorizo e tento trabalhar com personagens mulheres saca? Pé no saco.

Até uma vez que eu fiquei com medo, meu blog foi invadido de comentários de militares criticando o livro que ilustrei sobre a ditadura militar no Brasil. Um deles fez inclusive uma resenha sobre o livro no blog dele, comentando CADA PÁGINA!!!
Você acha que o pensamento feminista é bem representado no mundo dos quadrinhos atualmente? Como?

Eu ficou super feliz com a produção feminina e feminista que vejo hoje na internet. É incrível como aumentou de 5 anos pra cá! Eu me sinto representada e acho que tem que ter mais, muito mais. Falta ainda editoras apoiando essa produção, festivais, expos e prêmios. É foda, você olha a produção e vê muita coisa maravilhosa sendo produzida na internet mas quem ganha prêmio nos festivais e exposições de quadrinhos? Quase nenhuma mulher. Nos eventos as cartunistas mulheres são sempre chamada para falar em mesas “temáticas” sobre mulheres. Como se não tivesse mil assuntos que podemos falar sobre quadrinhos. A Chiquinha que é uma cartunista que eu adoro e é que tem mais espaço atualmente, e na maioria das vezes colocam ela para colunas de quadrinhos cujo o tema é mulher ou “beleza”. Eu fico de saco cheio disso. O universo dos quadrinhos é muito machista ainda. Por isso a importância de eventos como o Ladys Comics (em que Didi participou por meio do desenho abaixo) e produções como o Zine XXX. Se não publicam a gente, a gente vai atrás e publica nós mesmas!

Você tem alguma parceria com páginas de quadrinhos? Se sim, quais? (se não tiver, quais páginas você recomendaria para leitores que procurem um conteúdo semelhante ao da Crocomila?)

Como eu disse antes minha maior inspiração pra começar meu blog foi o grupo de cartunistas amigos meus chamados “Miséria”. Eu já publiquei muito com eles, eles são foda, sou super fã.
A Sirlanney é uma cartunista que eu amo, que conheci na Flip 2012 e ficamos ensaiando de fazer algo juntas desde dessa época, que não tinha quase ninguém produzindo, e acabamos nunca fazendo só nós duas… mas eu ainda quero fazer algo!
Já fiz alguns quadrinhos com a cartunista Samie Carvalho, criadora da leoa trans Sasha, sobre temas de transexualidade. Adoro o trabalho dela!

A pagina “Mulheres nos quadrinhos” também é uma parceria antiga. Ela publica meus quadrinhos desde que abriu a pagina e agora vai sair o fruto dessa parceria com o os dois livros do site que vão ser lançados anos que vem.

Você pretende lançar alguma publicação física com as suas obras?

Pretendo lançar um catarse pra publicar um livro comemorando os 5 anos do meu blog ano que vem! Espero que dê certo! Eu já ilustrei um livro infantil sobre a ditadura que foi uma experiência maravilhosa, mas o texto nem o argumento eram meus, apesar de eu gostar de ambos.

Também tenho dois zines publicados, o enquanto isso e o série pseudo-antropológica RioxSp. Também fiz parte do zine XXX e da “Só Mulherada!”, a Nova Revista de AQC-ESP. Ver seu desenho publicado, no papel é um prazer imenso!!!
Você tem mais afinidade ou interesse por alguma vertente feminista específica? Por quê?
Eu aprendi sobre feminismo com minhas companheiras e amigas de militância, com a internet mas sobretudo com o movimento organizado das prostitutas brasileiras, parte do tema do meu doutorado em planejamento urbano, que investiga a constituição dos espaços de prostituição a partir de uma organização generificada da cidade. Aliás, tenho até alguns quadrinhos sobre prostituição.
Então assim, já dá pra sacar que eu não me interesso por nenhuma corrente feminista de cunho abolicionista, ou pior, transfóbica. Não vou dizer que sigo alguma corrente porque vou estar mentindo, mas posso dizer que me alinho ao transfeminismo e ao feminismo libertário. Também curto muito o “Black Feminism”, ou seja, as feministas negras, aprendo muito com elas. Tento refletir sobre tudo isso produzindo meus quadrinhos. Além deles, tenho também um blog sobre gênero e cidade com outra amiga arquiteta.



Para quem quiser acompanhar as produções da Crocomila e ainda descobrir mais sobre o universo feminista nas HQs, é possível encontrar seus quadrinhos no Facebook, no blog ou até em sua lojinha no Society6.
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